Fintechs são a bola da vez. Em plena crise nacional e mundial, empresas focadas em utilizar a tecnologia para resolver problemas que os sistemas bancário e financeiro carregam há décadas estão crescendo a taxas de dois ou até três dígitos ao ano. No mundo, elas atraíram mais de US$ 22 bilhões em 2015, um salto enorme em relação aos US$ 4 bilhões de 2013, segundo dados da consultoria Accenture.
Junção dos termos “finance” e “technology”, fintechs são empresas que utilizam a tecnologia digital para modernizar a vida financeira de pessoas físicas e jurídicas. Atuam em várias verticais, como meios de pagamento, renegociação de dívidas, crédito, seguros, câmbio e criptomoedas.
Você muito provavelmente já ouviu falar de alguma fintech B2C, ou até a utiliza, como o cartão de crédito Nubank ou o sistema de contabilidade pessoal GuiaBolso, ambos já com mais de 3 milhões de usuários. Fazem parte de um grupo seleto de pouco mais de 20 startups brasileiras de tecnologia financeira com estrutura de gente grande, elevados aportes de capital e faturamento anual considerável. No total, existem mais de 200 fintechs no País.
A novidade é que as fintechs começam a chegar ao B2B. O ano de 2016 pode ser considerado o ano 1 das fintechs voltadas para empresas. Várias já estão trabalhando há dois anos ou mais, mas só ganharam mercado e apresentaram soluções completas a partir do ano passado. E o futuro, próximo e de longo prazo, é promissor.
Exemplo do interesse despertado é o movimento feito por um banco tradicional como o Votorantim, que está aportando R$ 3 milhões no Fundo BR Startups, iniciativa capitaneada pela Microsoft Participações, para alavancar startups de tecnologia ligadas a finanças. “A velocidade das mudanças tecnológicas no mundo é tão grande que é inviável para grandes empresas gerarem inovação apenas dentro de suas estruturas. Elas precisam estar mais abertas a se conectar com inovações de fora para dentro”, diz Gabriel Gama Ferreira, do Banco Votorantim. “Nosso objetivo específico com o fundo é tornar nosso banco mais conectado, estimulando o contato de nossos talentos mais tradicionais com esses novos empreendedores bem mais antenados.”
Fintechs reequilibram um pouco o concentrado mercado de crédito bancário, reduzindo distorções
O que uma fintech pode oferecer de diferente às empresas? Segundo os entrevistados por HSM Management, principalmente redução de custos, crédito mais acessível e solução de problemas específicos.
“A principal vantagem que uma fintech como a nossa leva para uma empresa é a economia de recursos ao automatizar funções que precisavam ser realizadas por um ou mais funcionários dedicados”, diz Vinicius Amorim, da fintech Tá Pago, empresa que implementou na região de Marília, interior de São Paulo, um sistema de gestão de benefícios.
A Tá Pago oferece benefícios como vale-refeição e vale-alimentação sem a necessidade de cartão, permitindo pagamentos por app em smartphones ou até mesmo por SMS. Segundo Amorim, já foi superada a desconfiança que as grandes empresas tinham em relação à estrutura da fintech quando ela começou a operar, em 2014.
Recentemente, a Tá Pago foi homologada no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), do Ministério do Trabalho, e isso deve atrair ainda mais grandes empresas para seu sistema.
Dan Coen, da F(x), plataforma que conecta empresas que precisam de empréstimos com potenciais financiadores, vê a possibilidade de desconcentração de mercado e, consequentemente, de correção de distorção de crédito com as fintechs. “O Brasil tem características muito específicas, como a concentração do mercado bancário, dominado por quatro ou cinco instituições, enquanto nos EUA existem mais de 1,3 mil bancos.”
Para ele, a concentração acaba gerando uma distorção dentro das empresas, que veem o crédito como um mal necessário, não como um recurso estratégico. “É comum ver empresas que crescem, mas seu departamento financeiro continua do mesmo tamanho. O problema é que o empresário brasileiro se acostumou a pegar emprestado nos bancos e a refinanciar sua dívida. Só que, nos últimos dois anos, os bancos enxugaram suas carteiras e esses empresários se viram sem ter a quem recorrer para pagar suas dívidas, porque não existia um leque de opções.”
A F(x) é uma espécie de Tinder das finanças. Greyson Lambert UGA Jersey Seu sistema usa um algoritmo que diz em alguns segundos se a empresa atende aos requisitos dos 90 financiadores em segundos e coloca os dois lados em contato. Ele substitui o processo lento, caro e incerto de contratar um consultor para visitar instituições financeiras atrás de financiadores.
“No início de nossa operação, em 2015, achamos que conquistaríamos empresas com faturamento de R$ 30 milhões a R$ 100 milhões ao ano, mas estamos chegando a empresas muito maiores”, diz Coen.
A Empréstimo Fácil também é uma fintech de crédito e atua com grandes bancos, como Itaú, Bradesco e BMG. Fundada em 2005, é uma fintech veterana, já tendo realizado mais de R$ 250 milhões em crédito com 50 mil clientes, e pretende gerar mais de R$ 1 bilhão em crédito nos próximos cinco anos.
Segundo Cristiano Amâncio, seu cofundador, a Empréstimo Fácil “fornece comodidades para os clientes, que podem contratar empréstimos em sua plataforma sem sair de casa e pesquisando em várias instituições, além de capilaridade para os bancos, que não têm como possuir agências em todos os lugares”.
Para Amâncio, as fintechs de blockchain, tecnologia de base de dados distribuída utilizada na criptomoeda bitcoin, e as de P2P lending são as mais promissoras no curto prazo. “O P2P lending, ou empréstimo pessoa a pessoa, é muito promissor porque é uma tecnologia disruptiva que elimina uma dor do usuário, que é ser obrigado a pagar uma taxa a um intermediário, a instituição financeira, para contratar um empréstimo. Só que no Brasil isso ainda não é regulamentado. As fintechs de P2P lending aqui operam como nós, categorizadas legalmente como correspondentes bancários.”
A razão de ser das fintechs é resolver problemas específicos, seja de uma pessoa ou de uma empresa, como diz Amâncio. Com esse pilar, a Meu Câmbio é uma fintech que pretende facilitar a compra e venda de moedas estrangeiras. Criada há dois anos, ela colocou sua plataforma no ar em meados de 2016 e pretende crescer 40% este ano. “O interesse das empresas em trabalhar com fintechs vem crescendo, principalmente quando você tem reconhecimento no mercado”, diz Mathias Fischer, CEO da Meu Câmbio.
Para ele, além de meios de pagamento, as fintechs de renegociação de dívidas devem bombar no curto prazo. “É um setor que afeta muito o caixa das empresas e é muito malvisto, com um serviço que hoje é feito por meio de um telemarketing agressivo. Empresas como a QueroQuitar e Kitado estão mudando esse parâmetro, agindo como mediadores entre as empresas e seus devedores.”
O problema que a fintech Equals resolve, por sua vez, tem a ver com conciliação de vendas e gestão financeira, e ela atende grandes varejistas.
As fintechs eliminam as taxas de intermediação cobradas pelos bancos
Há diferenças importantes entre fintechs B2B e B2C. “Criar um app de despesas pessoal é muito diferente de lançar uma fintech B2B. O app não precisa se preocupar com seu imposto de renda. Qualquer fintech que for lidar com ativos financeiros de uma empresa, por sua vez, vai ter obrigações fiscais e jurídicas.
Não tenho dúvida de que a disrupção vai acontecer, mas não podemos esquecer o básico, que é a contabilidade”, diz Fabricio Costa, diretor de novos negócios da Equals.
Fabricio Costa, da Equals, fintech que faz a conciliação de vendas e gestão financeira, atendendo varejistas
O ano de 2017 vai ser decisivo para esse mercado. Será o momento em que o órgão regulador do sistema financeiro terá de tomar decisões sobre a regulamentação dessas empresas, para não ficarmos para trás nessa corrida. “O Banco Central vê as fintechs ao mesmo tempo com bons olhos e apreensão”, observa Costa.“O BC quer que o ecossistema dê frutos, com um sistema financeiro mais descentralizado, porém de modo regulamentado, para não corrermos o risco de fraudes e quebras sistêmicas.”
“Uma fintech B2B precisa atender a um nível de exigência bem maior que o de um Nubank ou BankFácil em termos de recursos”, diz Rodrigo Dantas, CEO da Vindi, uma plataforma de pagamentos recorrentes utilizada por mais de mil empresas no Brasil. “O Banco Central vem conversando bastante com as fintechs e logo deverá regulamentar o setor. Isso exigirá uma estrutura e documentação que muitas fintechs ainda não têm; não vai ser fácil.”
Seja como for, segundo Dantas, muitas empresas já estão usando fintechs sem saber. “Se uma empresa utiliza o serviço de pontos da Multiplus, por exemplo, pode estar usando nossos serviços, já que a Multiplus é nosso cliente.” Mas ainda há um longo caminho para essas startups percorrerem no mercado B2B brasileiro. Quem vai vencer? As fintechs que trabalharem bem inovação e regulamentação.
Segundo o cineasta Woody Allen, “existem coisas piores que a morte. Você já passou uma tarde com um corretor de seguros?”. Visto por muitos como um mal necessário, o setor de seguros também está sendo impactado pela digitalização, ainda que em uma velocidade menor que a de outros setores financeiros. O uso de big data, os smartphones e até a internet das coisas devem mudar radicalmente a maneira como contratamos seguros nos próximos anos, tornando a atividade dos corretores mais transparente e as apólices mais justas e atraentes.
A dúvida atual é sobre a velocidade em que essa inovação ocorrerá – se de forma disruptiva, estilo Uber, ou gradual, com a tecnologia sendo utilizada como ferramenta para facilitar o trabalho de corretores. No Brasil, recentemente, a Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), conseguiu uma liminar para impedir que a Youse, serviço de vendas de seguros da Caixa Seguradora, oferecesse a contratação de apólices personalizadas por web ou app.
Para Maurício Antunes, diretor de marketing da Bidu Corretora, a tecnologia deve ampliar o mercado de seguros, propiciando a criação de novos produtos; ou seja, há espaço para todos. “A Bidu nunca teve um posicionamento disruptivo, mas evolutivo. Trabalhamos em parceria com as seguradoras, trazendo-as para o mundo digital.”
Os algoritmos não devem eliminar os corretores, acredita Antunes.